Filmes sobre catástrofes, principalmente aqueles que envolvem o fim do mundo, são um filão que Hollywood sempre apostou e se destacou, inclusive pela evolução dos efeitos especiais ao longo de décadas.
“Não olhe para cima” seria só mais uma produção na esteira de um típico blockbuster, mas prova o contrário. A própria história por si só traz um foco bastante peculiar.
A trama gira em torno de dois astrônomos que descobrem um cometa, de proporções gigantescas, em rota de colisão com a Terra. Quando eles tentam avisar o governo sobre o que está por vir, ambos se tornam marionetes na mão da imprensa, dos burocratas políticos e de um grande conglomerado tecnológico.
Diante disso, o filme recria e debocha da mesma fórmula vista em produções que marcaram época como “Armagedom” (Michael Bay, 1998), “Impacto profundo” (Mimi Leder, 1998), “O dia depois de amanhã” (Roland Emmerich, 2004) e “2012” (Roland Emmerich, 2009).
Mas, por outro lado, ele revigora o gênero ao trazer reflexões sobre a morte súbita de uma sociedade afundada na espetacularização da notícia, nas fake news, no cerceamento da liberdade e na banalização da barbárie.
O diretor Adam McKay volta ainda mais afiado e ácido, inserindo temas, com uma sátira didática e cirúrgica sobre um mundo fadado à própria destruição.
A narrativa vai sendo construída por meio de uma camada fina de humor indigesto, bastante semelhante em dramas como “A grande aposta”, “Vice” e a série “Sucession”, obras que renderam um Oscar, um Bafta e um Emmy ao cineasta.
Mulheres à deriva
“Não olhe para cima” também diz muito sobre como as mulheres são silenciadas em várias esferas da vida pública, inclusive num sistema onde elas são forçadas e manipuladas para serem sempre coadjuvantes.
A trajetória da cientista Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) é um exemplo de como a narrativa midiática e o mundo político podem ser cruéis com mulheres que saem dos papéis já estabelecidos pelos homens. O que não ocorre com a presidenta Orlean (Meryl Streep) e a apresentadora Brie Evantee (Cate Blanchett). Ambas se mantêm no jogo sendo previsíveis e dogmáticas.
Elenco estelar e um recado ao Brasil
Adam McKay conseguiu a difícil missão de equilibrar um elenco repleto de grandes atores que ainda inclui Leonardo DiCaprio, Timotheé Chalamet, Myke Rylance e Rob Morgan.
Vale destacar que “Não olhe para cima” não é só sobre os Estados Unidos querendo protagonizar ainda mais seu neoimperialismo e os milionários tirando proveito de tudo e de todos.
É inevitável usá-lo para fazer um paralelo com o Brasil atual. Seus personagens são amplamente identificáveis com os protagonistas do caos que jogaram o país num abismo apocalíptico. E não é muito difícil questionar se, talvez, o cometa seria a nossa salvação.