Dez anos após a morte do escritor José Saramago, uma das suas obras mais angustiantes ainda cai como uma luva no momento atual, assolado pela pandemia do novo coronavírus. É o livro Ensaio sobre a Cegueira.
A obra foi adaptada para os cinemas em 2008 pelo diretor Fernando Meirelles (O Jardineiro Fiel, Cidade de Deus).
No início da trama, vemos um homem que, de repente, perde a visão. Aos poucos, as pessoas em volta caem na mesma desgraça até gerar uma hecatombe mundial.
À medida que a inexplicável doença se espalha, o pânico e a neurose espremem os cidadãos em um beco contagiado pelo caos.
Parte da população é cercada e colocada em quarentena num hospício caindo aos pedaços, onde qualquer semelhança com a vida cotidiana é mera coincidência.
Dentro do hospital isolado, no entanto, há uma mulher (Julianne Moore) que não foi contagiada, mas finge estar cega para ficar ao lado do marido (Mark Ruffalo).
Julianne atua de forma fantástica revelando todo o sofrimento, a insegurança e a solidariedade de uma personagem que será obrigada a ver o pior e o melhor da humanidade à sua volta.
O filme traz vários questionamentos filosóficos: a nossa frágil sociedade tem remédio? Até que ponto o espírito de humanidade é corruptível? Há um prazo de validade nos seres humanos? É dessa maneira que Meirelles consegue extrair o clima que percorre toda obra de Saramago.
É um filme de inúmeras leituras e releituras. Tal cegueira, no mundo pós-moderno, pode ser até mesmo uma metáfora para fatos como a Guerra do Iraque, o Furacão Katrina, os tsunamis e o mundo pós-coronavírus. Ou tudo isso junto.
Mas o mais emblemático é que Ensaio sobre a Cegueira expõe, categoricamente, a tão complexa natureza humana inerte e mergulhada no egoísmo, no oportunismo e na indiferença, quando se depara com algum cataclisma moral e ético. Diante deste apocalipse ainda há salvação?