Poucos irão amar, a maioria odiar e boa parte ficará confusa também. É assim que, provavelmente, qualquer espectador irá sair das salas de cinema ao assistir o Homem Duplicado.
O diretor Denis Villeneuve (Os suspeitos, Incêndios) não mastiga nada para o público. Na verdade, ele tritura qualquer possibilidade fácil de interpretação dos fatos durante a trama.
A história, baseada no livro homônimo de José Saramago, é sobre um professor de História, que um dia qualquer descobre que tem um sósia. Não é só uma pessoa parecida com ele e tão pouco a possibilidade de ter um irmão gêmeo.
Adam Bell se depara com um outro homem exatamente igual a ele. Até o gosto pelas companheiras é quase parecido.
Antony St. Claire só difere de Adam na personalidade. Enquanto um é mais introspectivo e vive seus dias numa rotina enfadonha, o outro participa de orgias, é mais expansivo, e tem um gosto refinado e um caráter vulnerável.
Pelo menos é o que Denis Villeneuve nos leva a pensar nos primeiros minutos. A proeza do diretor está em exatamente brincar com a mente do público.
Solta pistas falsas o tempo todo e não dá sequer a chance de interpretações exatas. Quem tem o pensamento mais cartesiano ficará preso numa emaranhado de enigmas.
O Homem Duplicado é propositalmente confuso. Não é confuso porque é ruim. Não espere uma trama amarrada e com reviravoltas fechadas diante de um ápice no final. É um filme constituído mais por indagações do que por respostas, e deixa o espectador traçar suas próprias divagações.
Não dá para desmerecer alguns pontos. Jake Gyllenhaal está excelente nos dois papeis. Consegue a proeza de se diferenciar nos gestos, nos olhares, traçando uma interpretação singular que os dois protagonistas exigem.
Nicolas Bolduc impõe uma fotografia peculiar, que consegue deixar Toronto, no Canadá, muito opressora e aterrorizante, usando tons amarelos e laranjas. Parte desse temor ganha peso com a claustrofóbica trilha sonora de Danny Bensi e Saunder Jurriaans.
Em certos momentos, quando a câmera passeia pela cidade, num plano geral, o filme lembra muito o apocalíptico e vanguardista Koyaanisqatsi (Godfrey Reggio, 1983), incrível notar a alusão que ele faz às duas cópias, mostrando os prédios gêmeos.
Já os lados bizarro e farsesco remetem muito ao que o cineasta David Lynch fez com Veludo Azul (1986) e Cidade dos Sonhos (2001). Arrisca-se dizer que a aparição de Isabella Rossellini, como a mãe de Adam, é uma grande homenagem mas que tortura ainda mais qualquer chance de solução para o caso.
A história é um labirinto em si. Será que Adam e Antony não são projeções de si mesmo? Não vivem numa realidade paralela? Será que Antony não é uma idealização de que Adam queria ser e, de repente, isso toma forma e o consome?
Ou será que ambos são doppelgänger, figura da lenda germânica, em que a cópia idêntica de uma pessoa a acompanha pela vida toda, imitando até seus comportamentos mais íntimos?
Será que a metáfora da aranha não remete o poder da mulher sobre os homens, e como estes caem sob seus pés numa tragédia infernal, presos a sua teia?
Aquele final surreal não indicará que os seres humanos serão sempre cárceres do seu próprio destino? A conferir…