Woody Allen está de volta, só que bem mais irritado com a burguesia ocidental.
Depois “Match Point” (2005), filme em que ele descasca cruelmente os valores de uma sociedade egoísta e oportunista, agora é a vez de “Blue Jasmine” jogar todos os burgueses numa câmara de gás.
Antes, o diretor americano havia dado uma amenizada em produções como “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos” (2010), “Meia-noite em Paris” (2011) e “Para Roma com amor” (2012).
Desta vez, ele se mostra inquieto e terrivelmente irônico. É o primeiro filme que faz nos Estados Unidos desde “Tudo pode dar certo” (2009). Diferente de Nova York, coube a São Francisco emoldurar o cenário do cineasta.
A trama de “Blue Jasmine” faz referência à crise financeira da terra do tio Sam. A personagem principal, uma socialite esnobe, é obrigada a lidar com suas angustias existenciais, após perder todo o dinheiro.
Perde tudo e todos a sua volta, e só resta ir morar com a irmã de adoção Ginger (ótima Sally Hawkins) no subúrbio.
O diretor traz uma habilidade interessante ao mostrar esses dois mundos tão distantes. No início, o espectador se defronta com as histórias das irmãs, cada uma sendo contada de maneira comparativa e aleatória.
O mais notável é que, desta vez, Woody Allen não mostra um pingo de piedade com sua protagonista. Atenção espectador, “Blue Jasmine” tão pouco traz esperança e respostas.
O diretor esfaqueia e não oferece ajuda. Deixa a personagem agonizar por toda história.
Repare no cartaz do filme e no nome “Blue” do título. No idioma inglês, ele expressa não só a cor “azul”, mas também pode significar “melancólico” e “aristocrático”. Criativo jogo de palavras do cineasta.
Jasmine, aliás, Jeanette, nome ao qual a personagem renega, é um simulacro embebido de oportunismo e que tenta, a toda hora, apagar o passado.
Mente, omite e vive tentando disfarçar suas fraquezas e responsabilidades. Mesmo não sendo vilã e nem mocinha, aí um ponto alto do filme, Jasmine se nega a sair do pedestal.
Mas, em determinado momento, ela até se esforça, embora seus valores ainda estejam arraigados, deixando-a prestes ao enforcamento.
Tirando a explicação psicológica, por que será que Jasmine está sempre sentindo falta de ar quando tem suas crises? Uma metáfora bem ao estilo Woody Allen.
É Cate Blanchett, digna de mais uma indicação ao Oscar, quem dá vida a essa mulher que cava o próprio abismo.
A atriz australiana está impecável, dosando perfeitamente a carga dramática e cômica, e se mostra como uma difícil concorrente a ser combatida na próxima premiação do cinema.
E Woody Allen? Este volta com aquele típico vigor autoral.