Madonna lançou o tão aguardado Secret Project. O vídeo, dirigido por ela e o fotógrafo Steven Klein, pretende refletir e criticar a situação da liberdade de expressão no mundo.
Ao tentar tirar o véu deste curta-metragem, dá pra sacar que, desde o lançamento do álbum “Like A Prayer”, de 1989, a mente de Madonna nunca esteve tão enxerta em revoltas e celeumas.
Em 2003, os fãs novamente se depararam com uma artista que vociferava agruras. Era lançado o antipatriótico e anti-hollywood American Life. Madonna voltava dark e insatisfeita, só que em doses mais homeopáticas.
Vieram outros discos, até que, em 2012, ela ressurgia numa dualidade trevas/luzes. A turnê para o trabalho MDNA jogava com isso o tempo todo. Não é à toa que era sua série de shows mais obscura, assustadora e violenta.
Talvez, nessa última turnê, Madonna tenha encontrado um ambiente totalmente hostil, tanto a ela quanto aos valores que a artista sempre defendeu ao longo da carreira, desde quando era ativista na década de 80.
Um período em que poucos tinham coragem de se posicionar, por exemplo, em defesa dos portadores de HIV. É um cenário realmente catatônico para uma artista, que, como ela, já passou por três gerações. Viu e fez de tudo.
Um período em que poucos tinham coragem de se posicionar, por exemplo, em defesa dos portadores de HIV. É um cenário realmente catatônico para uma artista, que, como ela, já passou por três gerações. Viu e fez de tudo.
O cenário atual parece repetir em doses cavalares o que era despejado a conta-gotas antigamente. Será que agora Madonna se deparou com críticas muito mais agressivas ao seu posicionamento político?
Durante uma entrevista sobre o Secret Project, a cantora cita como exemplo as vaias no pocket-show na França, a manipulação da mídia no discurso sobre o presidente Barack Obama, a prisão da banda feminina Pussy Riot na Rússia e as mazelas sociais que viu por onde passou. Notou que algo estava fora da ordem mundial, como diziam Caetano e Gil?
Madonna encontra, mais uma vez, um mundo caótico, banhado em conflitos de gênero, raça e social, e que mina qualquer possibilidade de diálogo. Um curto-circuito em um lugar que se diz globalizado e antenado para a Era da Informação.
As duas Madonnas, que aparecem no Secret Project, resumem esse cenário estarrecedor. Uma está apática, louca e trancafiada numa cela. Ela representa as pessoas em países governados por ditadores e pelo mercado. É uma Madonna condescendente e ambígua, que por muitas vezes, sente medo e prazer pelas cenas de tortura que acompanha na cela ao lado.
Há uma segunda Madonna, que está em outra sala, atirando nos seus próprios bailarinos. Talvez seja o perfil de uma nova geração, que não sabe o que fazer com a arma que tem em mãos. Mata a arte, mata a criatividade, e por sinal, mata a liberdade.
As simbologias não param por aí. Há uma cena em que um bailarino com traços asiáticos dança, delicadamente, para uma pequena plateia de policiais masculinizados, com cassetetes e armas em mãos. A arte vai conseguir vencer a opressão?
Segundos depois, Madonna cita baby burn, e vemos um carrinho de bebê pegando fogo, entre os policiais.
O trecho pode ter vindo do nome de uma música da banda de punk rock The Dictators, que se chama Burn baby burn.
Preste atenção nessa parte da letra da banda:
“Olhe para mim agoraOlhe para mim agoraOlhe para mim agora que estou no topo da cadeia alimentarEu sou o carnívoroEu sou o onívoroEu sou o matadorIsso é o que os meus dentes são paraQueimadura queimar, baby, queime”
Burn Baby Burn também é citada na música Disco Inferno, do The Trumps, de 1978.
O grupo de rock irlandês Ash também tem uma canção com esse nome, que faz parte do disco Free All Angels, de 2011.
Repare que na capa deste CD, há toda a estética de cheerleader, que Madonna adotou, de forma crítica, para o single Gimme All Your Luvin, de 2012. No próprio vídeo dessa música, ela carrega um bebê e o joga fora.
No Secret Project, será que isso tudo serve para alertar sobre o infanticídio no mundo? Ou só é uma constatação que o problema da opressão continua perpetuando em pleno século XXI?
Madonna soltou seus demônios. Quem sabe a interpretação desse curta-metragem não acabe aqui e em nenhum outro texto. Ele sempre vai ser um espelho, refletindo a mesquinhez humana, por mais três gerações.
É aí que entra a genialidade do trabalho. No entanto, isso não será percebido agora. Mas, diferente do que a Rainha do Pop pensa, não tenho lá tanto otimismo.