“Central do Brasil” (1998), de Walter Salles; “Bicho de sete cabeças” (2001), de Lais Bodanzky; “O invasor” (2001), de Beto Brant; “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles; “Contra todos” (2003), de Roberto Moreira e “A concepção” (2005), de José Eduardo Belmont. O que esses filmes brasileiros têm em comum?
São longas-metragens que raspam qualquer sinal de conformidade nos espectadores. Filmes que conseguem radiografar aquele momento em que sociedade se molda, e que, muitas vezes, nem é tão fácil de se perceber.
Ultimamente, “O Som ao redor” (2012), de Kleber Mendonça Filho, entra no raro time de produções, que incitam o espectador a refletir sobre sua condição atual. Enfia o dedo, sem dó, na ferida de uma determinada camada social.
A história foca a chegada de uma milícia, num bairro de classe média, em Recife. Seus personagens são simulacros de um grupo “aburguesado”, com valores deteriorados e totalmente sem rumo. Aliás, nada muito diferente do que se encontra em qualquer centro urbano.
O diretor consegue dar a dimensão exata de como tudo anda sem perspectiva, de como o individualismo engole vidas, da mesma forma que o “brasilian way of life”, traduzido no sonho da casa própria ou do acúmulo de pertences, amplia cada vez mais o círculo da ganância. Descasca a “filosofia do ter” sem menor pudor.
Como não reconhecer na figura do velho Francisco (Waldemar José Solha), o espectro que se enriqueceu como um senhor de engenho, e que fincou um certo coronelismo urbano no bairro? Ou mesmo um símbolo nefasto de um patriarcado? É o esboço do tipo que se acha acima da lei e que não se cansa de transmitir esses valores para o seu clã tradicional.
‘Som ao redor’ traz um roteiro bem amarrado e critica o quanto há de ridículo nesses papéis sociais do cotidiano.
Sob o ponto de vista da técnica cinematográfica, o filme também acerta em cheio, principalmente, no quesito efeito sonoro.
Uma das melhores e intrigantes cenas é o bando de pivetes assaltando uma casa. O diretor orquestra o barulho dos marginais, pulando o portão, de uma forma que tudo soa extremamente assustador.
Por sinal, a artimanha de usar os efeitos sonoros casa muito bem com a proposta do título.
O que transfigura num olhar perspicaz de um diretor sobre um núcleo, que diz muito sobre esse conflito de classes que há no Brasil.
Para o diretor, pelo visto, a sociedade ainda vai continuar surda por um bom tempo.