Se o modelo de casal das propagandas de margarina já não atrai tanta gente assim (há ressalvas, eu sei) por que não mostrar como reativar um casamento fracassado, mas besuntado nos moldes de uma sociedade patriarcal, branca e capitalista?
Um Divã Para Dois se torna perfeitamente esse tipo de cartilha. Há de se ter muito cuidado, pois é ideologicamente persuasivo por trás de sua cortina de drama/comédia sobre o amor “maduro”.
A história é sobre um casal, há mais de 30 anos juntos, que passa por uma crise. Kay (Meryl Streep, sim, ela mesma nessa bobagem) vive uma dona de casa que não recebe um único afeto do marido, Arnold (Tommy Lee Jones), o bruto-macho personificado em pessoa. Ela tenta desesperadamente salvar o casamento e procura a ajuda de um terapeuta, Dr. Bennie (Stevie Carrel).
Já não bastasse o enredo camuflado de estereótipos, o diretor David Frankel (O Diabo Veste Prada) apostou na figura do terapeuta para emancipar tais valores norte-americanos que são passados de geração após geração: o sexismo, o machismo e o reinado do patriarcado.
É justamente no seu discurso de autoajuda barato que Bernie vai pontuando o discurso como nunca deixar que um casamento escorra pelo ralo, mesmo que já esteja no esgoto.
Kay exerce o papel da neosubmissa, mulher do lar, que faz um bico ali, mas com a renda ainda dependente do marido, mesmo assim é ela quem procura o terapeuta. Aliás, sua proatividade só se emana para tentar agradar o macho varão.
A coisa é tão séria que Kay mal consegue desenvolver sua própria masturbação e vive sempre readaptando seus desejos em prol do marido ( vide a cena em que ela tenta fazer sexo oral nele no cinema).
Há também uma outra cena em que ela busca um livro com dicas dos gays para salvar o casamento dos héteros, indicação do próprio terapeuta, claro. O diretor resolve inclusive destacar a parte em que é ensinado a fazer o sexo oral.
E mesmo quando a relação respira ares de modernidade, num quase ménage à trois, lógico que a terceira pessoa da relação teria que ser outra mulher.
Pelo menos um ponto Um Divã Para Dois tem a ganhar. David Frunkel foi feliz em tentar mostrar a sexualidade de um casal que já passou dos 60 anos, mesmo diante de cenas ainda caretas (Hollywood parece não aceitar corpos nus enrugados na tela).
Entretanto, a roteirista Vanessa Taylor costurou uma trama capenga. Como é de se esperar, de uma hora pra outra, Arnold, ao ver a esposa ir embora de casa, resolve se tornar o cavalheiro que Kay conheceu na juventude.
Arnold daria pra ser um ótimo personagem a ser bem mais trabalhado devido às repressões sexuais e seu auto-sabotamento. Mas o filme apostou em outro rumo.
Ainda bem que Meryl Streep e Tommy Lee Jones salvam a dramaticidade. Como é de se esperar, a atriz recordista em indicações ao Oscar, carrega mais uma vez, um filme nas costas. Mas haja talento pra ser desperdiçado à beça.