Amor e repulsa. Essa dualidade talvez tenha sido o fio condutor de muitas relações entre homens.
Numa sociedade patriarcal, que exala e venera masculinidade tóxica, os homens acabam tendo dificuldade em amar a si próprios, um amigo próximo e/ou um parceiro afetivo.
Livros, filmes e peças já tocaram na opressão afetiva que enclausura boa parte do tão proclamado “sexo forte”.
“Little Ashes” (Paul Morrison, 2008) aborda a instável relação entre Federico García Lorca e Luis Buñuel, numa Madrid atingida pela Guerra Civil Espanhola, no início do século XX.
A adaptação para os cinemas de “Na Estrada” (Walter Salles, 2012) tocou na dúbia e vulnerável relação entre Sal Paradise e Dean Moriarty, diante de uma conservadora sociedade norte-americana dos anos 40.
Fiel ao livro, o filme traçou as nuances de dois personagens que sugerem ser o alter-ego de Jack Keroauc, autor da obra, e seu “amigo”, Neal Cassidy, conhecido por circular entre os escritores da geração Beatnik.
Dean Moriarty também seria uma referência a James Dean, ator que despertou a paixão platônica no colega de elenco Sal Romeo (ops, mais uma referência?) e, reza lenda, teve um caso com o galã Marlon Brando.
Constantemente, o teatro vira palco dessa temática (as obras de Nelson Rodrigues e suas inúmeras adaptações não deixam mentir).
Com temporada na reta final, a peça “Van Gogh por Gauguin” desfia o complexo rolo que envolve dois gênios da pintura.
O tocante e admirável texto de Thelma Guedes entoa uma relação colérica e pendular entre o impressionista o holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) e pós-impressionista Paul Gauguin (1848-1903), confinados numa casa em Arles, na França.
Diálogos verborrágicos jogam o espectador para a bolha enclausurante de dois homens que pareciam ser excepcionais em captar a sensibilidade da natureza, mas incapazes de absorver o amor humano, que ambos nutriam e repeliam concomitantemente.
Ao reunir elementos poéticos e cênicos, o diretor Roberto Lage consegue transmitir um universo afetivo complexo e opta por se distanciar de uma história didaticamente biográfica. O que importa ali é abrir portas e janelas para a dimensão claustrofóbica de uma relação.
Ponto alto para a química verossímil entre os atores, protagonizada por Alex Morenno e Augusto Zacchi. Morenno destaca-se não só pela semelhança física com Van Gogh. Ele parece capturar cada “frame” dos 30 autorretratos do pintor. Já Zacchi despeja, com eloquência, o caldeirão de sentimentos chamado Gauguin.
Sobram cacos e delírios pelos cantos e pelo chão, em um amor com tanta potência, mas que nem sempre encontra saídas.
Van Gogh por Gauguin
Temporada: Até 27 de outubro (domingo)
Sábados às 20h e domingos às 19h
Ingressos R$ 50,00 e R$ 25,00
Gênero: Drama.
Duração: 75 minutos.
Classificação: 14 anos
Casa de Cultura Laura Alvim – Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa/FUNARJ.
Lotação: 186 pessoas
Av. Vieira Souto, 176 – Ipanema
Tel: (21) 2332-2015.