Uma conta que fecha, novamente, com sinal vermelho alarmante. Em 2019, o Brasil registrou, pelo menos, 124 casos de assassinatos de transexuais e travestis.
O estado de São Paulo está no topo da lista, com um aumento de 50% em relação a 2018. Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro vêm logo atrás, com os maiores índices de crimes contra a população trans.
Do total dos casos, só 11 tiveram suspeitos identificados pela polícia. A maioria das vítimas era de profissionais do sexo (67%), de cor negra (82%), do gênero feminino (97%) e estava no Nordeste (37%).
Quase 60% tinham entre 15 e 29 anos, sendo que três delas tinham só 15 anos; duas foram apedrejadas até a morte e a outra, espancada e enforcada.
Os dados fazem parte de um dossiê divulgado, hoje, 29 de janeiro, data nacional dedicada à visibilidade de travestis e transexuais. O relatório foi elaborado pela Antra, associação nacional que representa a comunidade, e o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE).
Para falar sobre essas e outras questões, conversei com Bruna Benevides, mulher trans, secretária de Articulação Política da Antra e sargenta da Marinha do Brasil.
1 – Você é cearense. Chegou aos 17 anos ao Rio de Janeiro. Entrou para Escola de Aprendizes da Marinha do Brasil. Há mais de 20 anos, ingressou na carreira militar. Diante dos embates para ser reconhecida como funcionária na ativa – a história da Bruna foi contada pelo Huff Post – como está atualmente essa sua relação profissional com as Forças Armadas?
BB – Na verdade, a relação foi sendo construída desde o início. Hoje, é bem importante dizer que não há dúvidas de que eu tenho o direito de estar lá e as pessoas, muito provocadas pela minha luta, passaram a entender sobre o assunto e discutir a possibilidade de respeito à diversidade e as pessoas trans dentro da instituição. Claro que ainda há uma resistência por algumas pessoas, mas são poucas e estas mesmas, ao conviver comigo, passam a naturalizar essa relação amigável, que é possível.
2 – Segundo levantamento da organização Transgender Europe, 868 pessoas foram mortas em crimes motivados por transfobia no Brasil, entre 2008 e 2016. O dado coloca o país no primeiro lugar entre as nações com maior número de mortes de transexuais no mundo. Aqui, 9 em cada 10 pessoas trans acabam na prostituição. Aliás, a expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos, enquanto a média nacional é de 75. Outro dado alarmante: 82% das mulheres trans abandonam o ensino médio entre 14 e 18 anos, de acordo com a Antra e a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Redetrans). Na sua visão, as empresas podem ajudar a mudar este cenário?
BB – Acredito que para além da inclusão. É importante pensar no investimento para a formação destas pessoas enquanto futuras profissionais sendo absorvidas pelo mercado. Mas, também, pelas empresas. E além da formação. Pensar em formas de agregar pessoas trans e a diversidade que trazemos. Há pesquisas que demonstram que empresas que trabalham e respeitam a diversidade têm diversos ganhos em vários âmbitos.
Um estudo da Mckinsey e Company revela que organizações com diversidade de gênero
possuem 15% a mais de chances de ter rendimentos acima da média.
3 – Quais as empresas que têm se destacado com programas de diversidade e inclusão para pessoas trans, hoje, no Brasil?
BB – Normalmente são multinacionais. As nacionais, em geral, ainda ficam receosas, devido ao momento político e à possibilidade de sofrer sanções. O que acredito ser um equívoco, pois as empresas deveriam dialogar com o governo em prol da diversidade e assim incluir essas profissionais e as mudanças que precisam ser feitas para a inclusão e permanência dessas pessoas.
4 – Como o mercado de trabalho pode avançar mais na inclusão de profissionais trans?
BB – Abrir oportunidades de emprego. Pensando na qualificação e numa mudança no acolhimento destas pessoas. Mas, também, preparar e qualificar as pessoas que irão trabalhar e dividir o dia a dia com estas pessoas que chegam. Capacitar os funcionários em todos os níveis e mediar a relação com os clientes que também passarão a ser atendidos por pessoas trans. Então é necessário um esforço multifatorial para enfrentar a transfobia.
5 – Recentemente, em 2018, o filme “Uma Mulher fantástica” conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro. É considerado o primeiro longa-metragem estrelado por uma atriz transexual a ganhar essa categoria. A produção chilena é protagonizada por Daniela Vega. Atualmente, o canal FX exibe a série “Pose”, que conta com o maior elenco transgênero da TV. A atriz e cantora Linn da Quebrada desponta no seriado “Segunda Chamada”, exibido pela TV Globo. Na mesma emissora, Glamour Garcia, que viveu Britney na novela “A Dona do Pedaço”, é a primeira atriz trans a ganhar o “Troféu Domingão”. A área artística tem avançado mais nessas questões, na sua opinião? Isso pode conscientizar outros setores da sociedade?
BB – Junto da educação, a arte sempre teve este lugar de contestar e apresentar outras formas de visibilidade da mudança que a sociedade passa a acompanhar. Então, as artes vêm sendo um importante veículo de construção de uma nova narrativa, frente aos estigmas que as pessoas trans enfrentam. Naturalizando a nossa existência e trazendo simpatia ao público em geral. Humanizando as pessoas trans.