“A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou 2022
como o primeiro ano da Década Internacional das Línguas Indígenas. A iniciativa quer, assim, valorizar um patrimônio linguístico cultural mundial.”
Você sabia que há 305 etnias e 274 línguas indígenas no Brasil atualmente? E que a população indígena chegou a atingir a marca de 5 milhões de pessoas em séculos atrás, no período em que o Brasil foi descoberto pelos portugueses? No entanto, hoje, eles não ultrapassam mais de 800 mil. Deste total, 517 mil vivem em terras nativas.
Além de serem considerados os guardiões das florestas, os povos indígenas também habitam regiões urbanas e rurais. Essas particularidades chamam atenção também para o uso do termo “culturas indígenas”, pois vale destacar que há vários tipos de espiritualidades, memórias e culturas que envolvem essas comunidades, ou seja, uma pluralidade complexa por meio de troca de saberes e tradições.
Diante disso, os povos indígenas ressaltam para o cuidado com a palavra “índio”, que vem carregada de estereótipos propagados pela sociedade, tratando-os como “selvagens”, “preguiçosos”, “sujos”, “bárbaros”, dentre tantos outros.
Em entrevista para a BBC/Portal G1, o doutor em educação pela USP e indígena, Daniel Munduruku, pontua essa questão: “quando a gente comemora o Dia do Índio, estamos comemorando uma ficção”, diz ao se referir à data de 19 de abril. Ele também indaga sobre as celebrações realizadas em escolas, em que se produz uma “figura com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo”. Para ele, é uma ideia folclórica e preconceituosa.
Reflexões sob uma ótica indígena
No Brasil, há várias personalidades indígenas que vêm se destacando no cenário nacional e que chamam para uma reflexão profunda sobre sustentabilidade e meio ambiente. Uma delas é o escritor, ambientalista e líder indígena Ailton Krenak, que, também, deu contribuições durante os debates sobre a Constituição de 1988.
Aproveitamos a ocasião para compartilhar uma entrevista com ele, realizada pelo cientista Marcelo Gleiser, durante o programa Papo Astral. O bate-papo tratou de temas como terras indígenas, cosmovisão Yanomami, ciência, pandemia do Covid-19 e novas maneiras de ver o mundo.
Confira os principais trechos:
“Me parece, escutando as histórias antigas, que existe uma cisma, uma desconfiança, de que, quando a gente para num lugar, a gente cria doença, um desequilíbrio. Então, é por isso que a duração de um sítio nosso, antigamente, (dos Krenaks), era, no máximo, de 3 anos. O ideal, na verdade, era uma estação…os rios enchiam, a gente ia para montanha. Os rios baixavam, o pessoal ia para a beira do rio…mas a gente não era nômade, éramos caçadores-coletores.”
”Da mesma maneira que não existia a ideia de trabalho, também não existia uma ideia de contar o tempo, quando a gente passou a contá-lo, quando passamos a ficar confinados numa reserva, num território limitado, que não permitia mais o deslocamento e como não permitia mais as nossas invenções.”
“Eu acho maravilhoso esse entendimento da Terra como fonte de vida. Ela não é só um organismo plástico que a gente pode socar, enquadrar, cortar as montanhas e despachar. Essa ideia de mutilação de organismo da Terra, que está presente no desmatamento da floresta, na destruição das nossas paisagens, na alteração de ecossistemas inteiros, que chega a afetar inclusive os oceanos. Como a ciência pode ajudar aproximar, de um sujeito comum, o entendimento de que ele, quando tira uma montanha, ele está ‘danando’ um organismo vivo.”
“Para além da ideia de doença – que essa experiência que estamos tendo com a pandemia – pode estar acontecendo alguma coisa ainda incompreensível e invisível da relação desse organismo Gaia, desse organismo vivo da Terra, mandando um recado pra gente de que não é propriamente a doença.”
“Quem sabe que o organismo vivo da Terra está fazendo é um primeiro sinal de desequilíbrio dessa nossa relação, não, propriamente, uma doença. O que nós entendemos é o lado doente disso, mas ela pode estar nos dando um aperto no sentido de reconfigurar o tipo de relação que podemos ter uns com os outros e com a vida…”
“Tudo é vivo. Os rios e as montanhas também. Se tudo é vivo, a nossa experiência no mundo deveria ser uma negociação. Negociar a nossa própria troca com o ar que respiramos, com a água que nós bebemos, com os deslocamentos que nós fazemos no território para outras paisagens. E entender a paisagem como uma complexa forma de vida.”
“…nós precisamos salvar o humano. Salvar o ser humano. Esse sujeito imprimiu no organismo da Terra uma marca que está sendo identificada como antropocena.”
Quer saber mais sobre o assunto? Assista à entrevista completa no vídeo abaixo:
Ouça também no formato podcast, acessando o programa aqui.
E você? Já tinha conhecimento sobre o legado do Ailton Krenak? Conhece outra personalidade indígena? Indique nos comentários.