Realizar uma trilogia no cinema nem sempre é sinal de consenso entre elogios da crítica especializada e do público. Encerrar (?) então uma tríade com chave de ouro é algo raríssimo. Multiplique isso com a reconstrução de um universo já aclamado anteriormente nas telonas.
Esse é o legado deixado por Christopher Nolan com Batman – Begins (1995), Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008) e agora com Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Por se tratar do Homem-Morcego, a responsabilidade se torna cavalar. Batman já foi massificado antologicamente nos seriados televisivos. Foi também impecavelmente revivido por Tim Burton na década de 1980 e 1990 (esqueça as vergonhosas tentativas que vieram depois).
Certamente, Nolan trouxe respeito à saga. Além de reelaborar a franquia com uma direção autoral, fincou Christian Bale como um dos melhores atores a interpretar o dicotômico super-herói.
A caracterização de Christian Bale mescla de maneira equilibrada o aspecto físico e psicológico proporcionado ao personagem, reconstruindo um Batman mais taciturno e humano.
O ator aproveita o porte atlético, não pra sensualizar o herói, e sim para reforçar a verossimilhança, criando a dualidade entre fraqueza e superação. Ele já mostrou inúmeras vezes o quanto pode surpreender e chocar com sua fisionomia e expressões faciais, basta vê-lo em Psicopata Americano, O Operário e O Sobrevivente.
Parte disso se deve ao olhar enigmático de Christopher Nolan. Ele tem essa elementar capacidade de dilatar atores que são diamantes brutos.
Ninguém esquece a atuação lendária de Heath Ledger como Coringa em Batman – O Cavaleiro das Trevas. E igualar-se ao que Jack Nicholson fez em Batman (1989), com o mesmo personagem, era quase uma missão impossível.
A vocação de Nolan foi novamente testada. Desta vez com o fato de ter escolhido Anne Hathaway como Mulher-Gato, personagem eternizado na memória de quem viu Michelle Pfeiffer dar um show em Batman – O Retorno (1992).
Por mais que o figurino de Anne Hathaway lembre uma batgirl, é sua invejável competência dramática que honra a memória coletiva nostálgica. Além do mais, ela massacra a atuação (?) de Halle Berry, que tentou algo vexatório anos antes, num filme dedicado à personagem.
Entretanto, o diretor foi logo derrapar com a personagem de Marion Cottilard. Por razões óbvias não poderei justificar. Mas basta notar uma determinada cena lá no final que se tornou patética (reviravolta muito bem orquestrada no roteiro, mas a cena para o seu desfecho foi totalmente desnecessária e caricata).
Mesmo assim, a terceira sequência está bem mais obscura, filosófica e política. Nolam utiliza de conceitos do anarquismo, da teoria do caos e da moral dos samurais para compor o embate entre o bem e o mal.
Aliás nem tudo é tão simples na cabeça de Nolan. Nesse último filme, Batman mais uma vez reencontra um vilão perspicaz, Bane (Tom Hardy irrenconhecível), que testa seus limites e sua concepção de mundo.
Não é só mais uma vez salvar Gothan City de um destino nebuloso, mas diante disso está um Batman aposentado, fraco, fracassado e questionador de tudo que está em volta.
O dedo na ferida vai mais além. Nolan incita repensar todo rastro deixado pela celeuma dos atentados de 11 de setembro. Não é mera coincidência o diretor fazer referências numa sociedade eternamente apocalíptica.